Capítulo 8 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Do mar para a terra



Na sala VIP

De onde estava, Érica podia ver o sol poente a oeste do barco. Uma enorme tela vermelho alaranjada extendia-se do horizonte até onde misturava-se aos tons azuis em que o céu mantinha um ar de dia sobre o mar imenso.

Depois da frustrada tentativa de fuga, ela foi encaminhada a uma sala razoavelmente confortável. Agora podia diferenciar um barco de uma lancha. O barco tinha vários compartimentos.

O chefe da irmandade tinha ordenado que Érica fosse bem tratada. Assim , ela teve até oportunidade de tomar um banho, se bem que odiou fazer isso com um cara na porta da cabine, quase sem privacidade alguma.

Ela fazia uma refeição, enquanto era observada pelo mesmo homem obeso que se apresentou no porão, sempre usando o lenço preto, característica de todos ali.

__Por que todos estão me caçando como a um rato?__Perguntou Érica.

__Calma garota, não se perturbe. Isso faz mal para a sua beleza__Disse o chefe com sarcasmo.__Quando disse "todos", quis dizer que tem mais alguém à sua procura?

Érica pensou se ele não estava blefando, mas também não viu nenhum grande propósito nisso. Buscava por acaso alguma informação? Pensou.

__Isso faz diferença?__Jogou Érica.

__Digamos que gosto apenas de saber quem são meus concorrentes.

__Pensei que fosse alguém cercado de informações.

Érica tentava provocar o homem a fim de arrancar dele uma reação útil a ela, não o contrário.

__Hum! Vejo que voce é bem esperta, senhorita Érica. Certamente conhece um italiano do mundo da moda, não?

__Sim. Conheço o Gusmão, mas não pessoalmente.

__Trabalha para ele?__Perguntou o homem.

__Olha só, voce me persegue, me sequestra, me conduz não sei para onde nem com que finalidade, sabe o meu nome sem que eu ao menos saiba com quem estou dialogando, se é que se pode chamar isso de um diálogo... Qual é a sua afinal? O que quer saber, pois está claro que ninguém faz tudo isso se não tiver total controle da situação. Então, por que não ir direto ao assunto?

__Oh, tenha calma, já disse. __apaziguou ele, demonstrando um auto-controle carregado de sinismo.__Já esteve na Itália ou trabalhou para o Gusmão, isto é, para a SuperModel?

__Não. Respondeu Érica após avaliar a pergunta.

__Soube da agência através do...

__Nelson.__Ela completou.

__Isso...do Nelson?

__Sim.__Érica mentiu.

Nelson havia revelado que antes dele a conhecer a SuperModel já possuía informações sobre ela. Contudo, Érica não achava uma boa ideia compartilhar algum dado relevante com aquele homem. Não sabia com que finalidade ele mantinha tanto interesse por ela.

Prevendo que ele esconderia dela essa informação até as últimas instâncias, também iria ocultar dele qualquer dado que num tempo mais crítico pudesse usar como barganha. Se a queriam para um fim além da passarela ou da exploração sexual, que revelassem então esse fim.

No encalço

Gusmão e seus homens a cada milha percorrida aumentavam o ódio e sede de vingança contra os homens da irmandade.

Durante a perseguição, foi necessário ancorar numa baía de pescadores para fazer um contato com sua irmão na Itália.

__Como estão os trabalhos?__Perguntou ele.

__Está tudo muito bem. Estamos esperando voce chegar com a garota. Já a capturou?

__Infelizmente não. Ela está em poder do mesmo pessoal que, segundo suspeitamos, matou o Silvio. Ao chegarmos na casa do Nelson, já não havia ninguém. Eles o raptaram junto com a garota, deixando a casa revirada e apenas a lancha encorada no cais. Nesse momento se deslocam para a fronteira ao norte do país. Estamos logo atrás.

__Suponho que voce esteja esperando a melhor oportunidade para pegá-los, não é meu irmão?__Havaliou Luciana.

__Sim. Isso mesmo. Estamos mantendo a distância para não levantar suspeitas, mas não iremos perdê-los de vista. É possível que o Nelson ainda esteja vivo, com eles. O cair da noite me parece oportuno para atacar e tomar a garota. Só então partiremos de volta, se possível ainda hoje.

Luciana ouvia atentamente o irmão traçar o plano "C", uma vez que duas tentativas haviam falhado.

Gusmão não contava com a aparição de um outro grupo de criminosos no caso. E isso estava intrigando-o muito, pois além de dificultar seu trabalho ainda era possível tratar-se de gente metendo o dedo no projeto secreto de resgatar os cem milhões de dóllares enterrado.

__Cuide para que tudo esteja pronto para darmos continuidade ao projeto assim que chegarmos, está bem?

__Sim. Pode deixar. Tudo está correndo bem por aqui.__Luciana tranquilizou o irmão.

O desfile

Em Milão um grande desfile estava sendo preparado pela SuperModel. Veículos de comunicação, como canais de TV a cabo, rádios e a imprensa em geral já estavam instalados nas dependências do Grand Hall Space, um suntuoso espaço contratado para abrigar o mais importante evento do ano no mundo da moda.

Súbita crise

Havia em Érica uma preocupação muito grande com o que estaria acontecendo a Nelson neste momento. Ele tinha sido um canalha vendendo-a para uma agência internacional de exploração feminina. Um crime horroroso, é evidente, mas Érica não podia negar o quanto ele estava sendo legal com ela nesses últimos dias, tudo o que fez, ficando ao seu lado em meio a perseguição, fuga e tiroteios, não a despresando em momento algum nem sendo grosseiro. Podia ser um crápula, mas era também cavalheiro. Havia mesmo uma cumplicidade entre os dois que parecia sobreviver a tudo.

No que dependesse dela, Érica iria proteger Nelson daqueles monstros do mar. Era com preocupação e presságio que via a noite chegar dentro daquele barco.

Uma onda de melancolia quis envolver Érica durante o cair da tarde. Uma tristeza parecida com aquela experimentada na pequena propriedade rural de Florinópoles, quando via pela TV as moças bonitas como ela desfilando, andando em shopping centers, aparentemente esbanjando felicidade, enquanto ela via-se atolada em uma vida simples no campo, de casa para a escolas, sem acontecimentos importantes. No ápice daquela tristeza, Érica teria chegado a cogitar um suicídio. Sentira-se injustiçada por Deus, nascida para sofrer. Sua história de vida era semelhante a daquela santa que sua mãe reverenciava. Fora martirizada por uma força invisível, que a todo tempo dizia-se benévola e provedora, enquanto ela só assistia em torno de si calamidade, desolação interior e desmerecimento enquanto ser humano. Era enigmática a razão da opressão que sentia, via-se condenada só pelo fato de ter nascido, punida severamente antes de pecar. Era sem dúvidas uma injustiçada em sua vida, incompreendida, desassistida do mundo, nascida para sofrer, parte de um projeto mesquinho do acaso.

Agora, no barco, o quadro configurava-se num cenário ideal para a reincidência desses pensamentos de auto-piedade. Estava nas mãos de criminosos frios, levada para onde não fazia a menor ideia, enquanto o sonho de desfilar nas passarelas de Milão ficava para trás, junto às espumas que o motor do barco levantava da superfície calma das águas em um grande rio da Amazônia.

Força interior

Toda a opressão interior de que fora formada em sua personalidade fazia de Érica uma sonhadora. Mantinha viva a chama do desejo de romper gloriosamente todo o elo com aquele carma que a perseguia nos momentos mais inesperados da vida.

E agora, era essa mesma força interior que levantava a sua cabeça no meio desse cativeiro, fazendo-a acreditar que chegaria em Milão a tempo de participar do desfile, sob qualquer circusntâncias, não importando muito se sua agência era a ferramenta de um crime contra a mulher. Ela iria usar essa mesma ferramenta para galgar seu objetivo e ferir o destino. Érica a tomaria das mãos de seu opositor implacável e o venceria com suas próprias armas. Sim, ela iria até o grande desfile da SuperModel, afinal, tinha seu nome inscrito, não é mesmo?

No fundo do porão

A cada hora no porão do barco, Nelson sentia a esperança diminuir. Havia escapado vivo de duas emboscadas, estava logrando êxito em fugir do provável destino que Gusmão planejou para ele, mas ainda continuava nas mãos da irmandade negra.

Havia um temor de que o pior poderia acontecer a qualquer momento, e o pior nesse caso seria mesmo uma execução. Isso o apavorava muito, tornado ainda mais dificil a sobrevida naquele porão fétido.

Nelson perguntava a si mesmo sobre a possibilidade de Érica ainda estar viva a essa altura. Ao mesmo tempo, concluía que se ele continuava vivo, ele que parecia menos importante para os criminosos, seria um bom indício de que Érica estaria viva também. E isto o consolva em meio a toda aquela desolação.

Ele já havia desistido de tentar soltar-se das cordas. Dessa segunda vez os bandidos teriam feito um trabalho melhor, prendendo-o junto a uma argola fixa em uma coluna mestra. Não daria para desgastar a corda, uma vez que a coluna não era áspera como a outra. Se havia uma chance de escapar, Nelson ainda estava por conhecê-la.

Da gentileza ao estupro

Depois de deixar Érica sozinha sob a guarda de um de seus homens, o chefe da irmandade negra voltou a sala.

Quando ele entrou, Érica supôs haver algo ainda mais estranho naqueles olhos terríveis.

__Eu estive em contato com o Gusmão por telefone ainda a pouco.__Disse o homem e analisou a reação de Érica. Ela desviou o olhar com despreso.__Ele me propôs entregá-la por uma quantia em dinheiro. Estou estudando a proposta.

Érica estava prevendo onde o criminoso pretendia chegar. Era odiável esse tipo de coisa. Aquele sujeito não teria ido ali apenas para tratar desse assunto. Faria isso independente da opinião dela. Seus olhos não conseguiam esconder uma outra intenção.

O chefe da irmandade teria feito um sinal para o homem da porta quando entrou, e em resposta recebeu um sorriso sarcástico que Érica não deixou de notar. Ela não era ingênua assim para não perceber a manobra. Dessa forma, permaneceria calada. Não iria facilitar.

__Ora, ora. Nossa "dama de ouro" resolveu ficar muda agora, é? Acha mesmo que não tem nada a oferecer-me a curto prazo, garota?

O homem sorriu para Érica com nítido sarcasmo, ao mesmo tempo que avançou para cima dela com recusáveis intenções de intimidade. Ela olhou em volta procurando qualquer coisa que pudesse lançar contra aquele crânio doentio e encontrou, não muito distante, uma estatueta de metal, ideal para um arremeço potente.

Ele punha-se a rasgar a roupa de Érica e avançava em seu deplorável intento. Foi quando ela conseguiu pegar o objeto e o arremeter contra a cabeçoa dele, que subitamente levou as mãos à parte atingida.

Fluía sangue da abertura no couro cabeludo, e ao ver que estava ferido, o homem ficou ainda mais furioso. Cerrando os dentes, e lutando para dominar os esforços de Érica, ele continuou, até que ela acertou o joelho direito em cheio nos órgão genitais do sujeito.

Limpando o sangue que escorria da ferida, ele buscava suportar a dor que o segundo golpe havia provocado. Assim, tornava-se inviável sua investida, pelo menos por enquanto.

Ele deixou a sala, enquanto ela se recompunha após lutar com tão brutal criatura.

Érica sentia calafrios só de imaginar que podia a qualquer momento ser estuprada por aquele selvagem. Seria por demais cruel, uma vez que só a tentativa do ato provacara sensações de nojo e repúdio.

Era revoltante demais que uma pessoa se valesse de uma vantagem física para sobrepor-se à vontade de outra. A lembrança de que não estaria escape a uma nova investida era apavorante.

Deixando os braços penderem frouxos pelo corpo, Érica sentiu-se péssima como jamais sentira-se. É estranho como nas horas mais desanimadoras é que somos chamados a lutar.

Ela sentia estar prestes a conhecer um lado sombrio de si mesma, algo que até então não conhecia. Se aquele sujeito tentasse outra vez, ela o mataria sem exitar. Era só no que pensava agora.

Não deixe de ler a continuação do livro. O capítulo 9 está em fase de edição.

Capítulo 7 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Caçada implacável



Relatório do Gusmão

Gusmão chegou ao Brasil com um relatório operacional bastante pessimista:

Primeiro, o embarque de Érica conforme o plano original fora prejudicado por uma intercepção da polícia que a esperava no aeroporto para dar o flagrante em Nelson e puxar o fio da meada de uma série de outros crimes praticados por ele a serviço de Gusmão.

Segundo, o plano "B", que consistia em Silvio matar Nelson e raptar Érica, falhara, deixando o próprio Nelson arisco.

Terceiro, alguém matou o Silvio e ainda recolheu de sua residência detalhes do plano secreto.

Quarto, Nelson estava desaparecido e a garota encontrava-se nas mãos de gente esperta, que estava metendo o dedo onde não fora chamada.

Quem seria essa gente também interessada no projeto? Essa era uma pergunta que Gusmão fazia a si mesmo. Não teria empenhado em vão quinze anos de pesquisa e investigações sobre o enigma que protegia os cem milhões de dóllares do ex-patrão mafioso.

Como motorista da família, Gusmão teria desenterrado as pistas que os próprios filhos do mafioso busvam ignorar. Agora, reconstruia a teia de informações secretas sobre o tesouro e congecturava acerca de quem mais pudesse ter acesso a elas.

A velha, essa estava no asilo. A filha do casal teria morrido em um estranho acidente, pouco antes de Gusmão comprar dela a SuperModel. O filho, este não passava de um preguiçoso que fugiu para a América negando a origem e tradição criminosa da fortuna do velho, ainda que não deixasse de usufruir dela.

Para Gusmão, a hipótese desse filho estar agora juntando as peças do quebra-cabeça que seu pai montou não fazia sentido. Ele teria despresado tudo enquanto estava em suas mãos. O pai só teria aberto um buraco no inferno e enterrado a grana pela rejeição declarada pelos próprios filhos. Se não deixasse para eles, não ficaria para mais ninguém. Esse era o pensamento do velho. Teria sido um mero capricho esconder o dinheiro, ao invés de destruí-lo.

Agora Gusmão precisava liquidar Nelson de uma vez por todas, encontrar quem raptou a "dama de ouro", desvendar o mistério e botar a mão na grana. Precisava de celeridade no caso, pois sentia que um indesejável participante da caçada ao tesouro, com informações elementares, estava desafiando sua organização criminosa.

Uma possibilidade de fuga

O fato de ter conseguido desamarrar-se era apenas parte do plano de fuga. O mais difícil estava por vir. Nelson tinha que acreditar na possibilidade de sair daquele porão o mais rápido possível. Sem essa esperança, ficava a mais desalentadora expectativa. Uma morte cruel nas mãos daqueles estranhos navegantes era o mais provável destino.

Ele tomou cuidado em que Érica também mantivesse a impressão de estar amarrada, pelo menos até o momento mais oportuno, que ele não sabia exatamente quando aconteceria.

Os homens continuavam bebendo e comendo no convés. Apesar de nauseados pelo balanço da embarcação, logo eles também sentiriam fome.

Palo desenrolar dos fatos, já passava muito do meio dia. Os homens agora estavam mais bêbados.

Nelson, voltando a espionar pela brecha da porta, pode ver junto ao acesso que haviam trocado de guarda. Agora permanecia um sujeito mais franzino que os outros. Essa poderia ser uma daquelas oportunidades.

Voltando-se para Érica, pensou se agia independente da opinião dela ou não. Relutante, caminhou para a porta e Érica percebeu que desse vez ele não ia apenas sondar o terreno. Tinha acabado de fazer isso e demonstrava aquela obstinação já conhecida.

Ele ia puxar a porta silenciosamente, quando notou que o homem não se encontrava montando guarda. Esperou e viu que ele retornava com um volume nas mãos, o que provavelmente era alimento.

O homem pôs-se a descer a escada. Nelson antes tinha a pretensão de abordá-lo por trás, enquanto ele se distraisse entregando a comida. Mas para isso, precisava fingir estar amarrado, o que agora não daria tempo. Só era possível fazê-lo já na entrega da refeição, assim que a porta abrisse.

Nisso, o homem já estava a um passo e Nelson ficou junto à entrada, de punhos fechados, sem respirar.

A porta girou e, vendo o vulto, Nelson desferiu três golpes, seguindo-se o baque surdo do corpo no piso da embarcação.

Caído aos pés de Nelson, o homem espalhou a comida pelo porão. É agora ou nunca. Pensou Nelson.

Nesse instante Érica ficou de pé, largando as cordas que mantinha fingindo-se ainda presa. Nelson voltando-se fez sinal para que ela aguardasse o próximo passo.

Revirando o corpo desmaiado tirou-lhe a arma e seguiu pelo canto da escadaria que sobe para o convés. Cautelosamente caminhou até onde a vista começava a alcansar o nível do piso. Era a chance. Firmando as mãos em posição de tiro, gritou:

__Parados ai! Todo mundo quietinho!

Na extremidade do barco, os homens se voltaram um a um para Nelson, até que o primeiro começou a sorrir, esboçando um sinismo insano diante da arma.

__Ora, ora! vejam só quem resolveu participar da festa!__Zombou um dos sujeitos.

Nelson podia espalhar a massa daquele cérebro pelo assoalho do barco, afinal, precisava mesmo diminuir o número de pessoas a embarcar no porão. Tinha que ser rápido nisso, sob o risco de não dar conta de todos sozinho.

__Não! Me solta desgraçado!__Érica gritou, rendida por um dos elementos que Nelson não viu atrás de si.

__Abaixe a arma, cara!__Ordenou o sujeito.

Ele sabia que era tarde para dar um passo atrás. Imaginava que tudo estaria perdido de qualquer jeito. Não dava para confiar naqueles caras, ainda mais depois de tê-los na mira de uma pistola. O jeito era diminuir a tripulação à bala.

No entanto, Érica estava sob a mesma ameaça. Enquanto eles a queriam, fosse para o que fosse, ela teria uma chance. Quanto a ele, largar aquela arma seria decretar a própria morte.

Sob pressão, ele largou a arma e ao mesmo tempo recebeu uma bofetada de um dos homens. Quando caiu, vários golpes foram-lhe desferidos, enquanto ouvia ameaças dos agressores.

Érica foi levada de volta ao porão do barco e os homens foram cogitar sob que modalidade Nelson seria morto.

__É rapaz. Eu acho que precisamos eliminar um pouco o peso do barco.__Disse zombando o homem que tinha sotaque boliviano, enquanto os outros caíam em gargalhadas.

Perseguição por mar

Enquanto isso, Gusmão se informava da rota certa por onde os estranhos elementos estavam levando Nelson e Érica. Tinha-os a um passo de onde seguia com seus homens, pilotando a lancha roubada de Nelson.

O barco da Irmandade Negra subia próximo a costa, rumo ao norte do país. Parecia buscar as águas doces da Amazônia, pegando a foz de algum rio por onde atingíssem a fronteira para a Bolívia. Ou, quem sabe, teriam um cartel na selva, de onde poderiam melhor organizar seus planos.

De volta ao porão

Após terem espancado Nelson o quanto quiseram, os homens da Irmandade levaram-no de volta ao porão. Menos mau. Nelson já se dava por morto. Teria ao menos algumas horas de vida. Estava bastante machucado.

Olhando em volta, notou que Érica não mais se encontrava naquele recinto escuro e fétido. O que teriam feito a ela? Essa percepção o incomodou. Viu como sofrer sozinho era ainda pior.

Com os punhos e as pernas novamente amarrados, dessa vez por cordas passadas em mais dobras que antes, ele sentia-se totalmente impotente. Estava refém. Tudo dera errado.

A porta se abriu, dessa vez cautelosamente, e um dos homens jogou aos pés de Nelson uma porção de carne grelhada. Antes de sair, voltando-se para ele, chutou-lhe o quadril e ordenou que comesse o alimento.

Nelson gemeu. E quando a dor passou um pouco pôs-se a comer, levando pedaços de carne inteiros até a boca, segurando-os com as pontas dos dedos.

Ocorreu-lhe a possibilidade da comida conter veneno, mas poderia morrer de qualquer jeito. Essa ideia associada à fome o encorajou a injerir aquele alimento. Seja lá o que Deus quiser, foi o que pensou.

Enquanto experimentava aquele alimento, Nelson pensou em como as diferentes circunstâncias submetem as pessoas a óticas também diferentes. Até bem pouco tempo não percebia o quanto é maravilhoso tomar um banho, receber uma chuveirada gostosa, sentir a água correr pelo corpo. Simples coisas como a liberdade de andar pela casa, pegar na estante o livro que quiser, comer o que desejar, agora eram vistas como privilégios dos deuses.

Ele via que esse também é um dos pepeis do cárcere privado: negar à pessoa coisas simples, direitos básicos, aquilo de que o próprio criminoso não abre mão. O crime inverte a ordem, subverte o conceito de justiça.

Nelson ponderava nisso, mas ao mesmo tempo sentia-se culpado por ele mesmo ser transgressor dessa ordem, maculador do conceito de justiça. A mesma que, uma vez necessitado, por ela tanto clamava do porão daquele barco.

Como é ruim não poder contar com alguém. Pensava Nelson. Se ao menos a polícia aparecesse, a mesma da qual ele tanto fugira em seus atos marginais, tudo poderia terminar bem. Certamente vivia uma crise de consciência forçada pelas duras circunstâncias.

Capítulo 6 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Ciranda dos fatos


Na Itália

Gusmão estava a ponto de cometer uma loucura. Amaldiçoara a irmã por convencê-lo a esperar, por mais tempo, algum retorno de Silvio.

Luciana passou o dia inteiro tentando falar com ele, mas ele não atendia o telefone. Gusmão teria jurado estrangular Silvio com as próprias mãos quando o encontrasse no Brasil. Teria muitas explicações a dar por ficar horas sem dar notícias em um momento tão importante como esse.

Ele tinha uma equipe técnica aguardando a chegada da "dama de ouro", pagando dinheiro vivo pela hora dos profissionais. Esse projeto não admitia falha e isso o atormentava. Estava reunindo seus homens de confiança para embarcarem num voo particular para o Brasil. Com sorte chegariam na manhã do dia seguinte.

Foi quando o telefone tocou.

__Chefe, aqui é H-4 falando!

__O que manda? Tudo certo para aquele passeio?

__Quanto ao passeio, tudo certo, senhor. Mas acho que tenho notícias relevantes.

__Fala de uma vez, homem!__Ordenou Gusmão furiosamente.

__O H-5 está morto.

Mantendo o aparelho ao ouvido, mas sem dizer uma só apalavra, Gusmão tentava trocar em miúdos o que acabara de ouvir. Sabia agora porque o Silvio não dava notícias. Estava certo quando desconfiou de falhas graves no plano. Seu contato era muito fiel para simplismenete desaparecer.

No mesmo instante, surgiu na sala sua irmã Luciana.

__Que houve Gu?

__Alguém matou o Silvio lá no Brasil.__Disse ele tapando com uma das mãos o fone do aparelho.

Após encerrar a ligação, Gusmão permaneceu em pé, com os braços apoiados sobre a superfície dura da mesa, olhando para a irmã a espera de uma ideia inusitada.

__Vai ao Brasil?__Perguntou ela.

Ele respondeu apenas com uma expressão de determinação que Luciana conhecia muito bem.

O passeio pela baía

Érica insistiu com Nelson num passeio de lancha pela baía. Ele topou, não sem levar a pasta preta. Pretendia continuar examinando mais um possível detalhe no material que Lúcio lhe fornecera. Assim, pôs a pasta dentro de um discreto e bem fechado compartimento da lancha.

Deixando-se exposta ao sol que brilhava por volta das dez horas, Érica sentia-se num paraíso. Pensou como era estranho o fato de Nelson ser tão solitário, não ter alguém para compartilhar, por exemplo, de um passeio naquela lancha. Valeria a pena ter tudo aquilo sem alguém em especial? Ele nunca falou sobre uma mulher que tivesse um significado maior em sua vida. Ao que parece, não tinha filhos, não falava sobre parentes. Aliás, Érica não sabia muito sobre a origem dele. No entanto, atribuía-lhe um voto espontâneo de confiança, mais por necessidade própria do que por qualquer razão.

Ela agora o via como o cara atraente do começo da relação pela internet. Assim que o viu pessoalmente, achou-o totalmente diferente do que costumava imaginar. Se não fosse o desejo de ir para Milão, teria dado meia volta quando finalmente o viu em Florinópoles. Ela pensava como seria engraçado confessar isso a ele um dia. Enquanto pensava, deixou escapar um riso. Ele notou.

__Que foi?__Perguntou Nelson demonstrando não se importar muito com a resposta.

__Nada.__Ela sentiu-se péssima ao responder. Sabia que ele lia expressões com a inteligência de um computador. Estava se entregando dessa forma. Assim, mudou o olhar para o mais distante possível, longe daqueles olhos grandes.

Nelson não era bonito, ela sabia disso. Mas o que ela mais temia era justamente ver graça nessa ausência de beleza padronizada. Aí é que mora o perigo, pensava.

Ao contrário de Nelson, a vida de Érica fora um livro aberto. Suas confissões emocionais durante o tempo em que se comunicavam online era o que alimentava a relação. Nelson sabia quase tudo sobre ela.

Ele sabia sobre o garoto do colégio com quem ela perdera a virgindade, sobre as emoções ligadas a esse fato, como ela achou que todo mundo em casa ia ficar sabendo. Ele era mais um guru, que outra coisa.

Não que ela não pervertesse de vez enquando esse conceito espirituoso sobre ele com pensamentos mais carnais. E ele era o grande responsável por esta forma de relação. Ela veria isso como uma virtude, não fosse a recente descoberta de que ele pretendia levá-la para trabalhar como prostituta na Itália, quem sabe, em regime de escravidão.

Era estranha essa admiração de vítima pelo criminoso. Isse deve ter uma explicação psicológica, pensava. Mas não era um cara qualquer, era o Nelson. Alguém com quem ela durante mêses aprendeu a confiar. E ela tinha mesmo essa confiança, como agora, vendo-o guiar a lancha pela baía, dando destino a sua vida.

O rápito

Finalmente Nelson enconstou no ancoradouro do chalé. Enquanto atracava a lancha, Érica seguiu para o interior. Já havia ficado exposta ao sol mais que o suficiente para acentuar a cor da pele.

Nelson pensou em abrir o compartimento da lancha e retirar de lá a pasta preta, mas resolveu fazer isso depois. Assim, entrou no chalé logo depois de Érica.

Ao passar pela área do deque, Nelson escutou um clique atrás de si e uma voz masculina ordenando que ele não se voltasse. No mesmo instante, Érica teve um grito contido por uma mão que a prendeu fortemente por trás tapando-lhe a boca e amordaçando-a.

Uma substância foi injetada em Nelson e quando ele acordou não reconhecia o lugar em que estava. As imagens pareciam um delírio. Quando recobrou os sentidos, notou que Érica fora mantida em sua companhia, agora sem a mordaça.

__Onde estamos? Perguntou ela em desespero.

__Shiii!!!__Fazendo sinal para ela falar baixo, Nelson olhou em volta avaliando a situação. Seus braços e suas pernas estavam amarradas com cordas de embarcação.__Acho que estamos no porão de algum barco.

__Quem são esses homens?__Perguntou Érica, agora falando em um tom mais ameno.

__Não faço ideia, Érica.__Respondeu Nelson, tão confuso quanto ela.__O Silvio está morto. O Gusmão até ontem parecia aguardar uma posição dele.

Após passar mais ou menos um minuto...

__Acho que essas pessoas não estão ligadas ao Gusmão.

Nelson nem bem acabara de falar e um homem obeso abriu a porta do porão.

__Está certo, meu rapaz. Não tenho mesmo nada a ver com aquele italiano patife.

Essa informação não tranquilizava Nelson e Érica. Fugir das mãos do diabo e cair nas garras do capeta não parecia fazer diferença alguma. Só estavam mais curiosos por saber quem era a terrível figura.

__O que quer de nós?__Perguntou Érica nitidamente trêmula.

__Correção: o que eu quero de voce, querida. O seu amigo não me interessa. Será útil apenas aos tubarões.

Essas palavras diabólicas combinavam perfeitamente com a figura do homem, que vestia uniforme preto e tinha o cabelo envolto por um lenço da mesma cor.

Nelson sentiu-se mais angustiado do que quando trocou tiros e matou os elementos no subúrbio da capital.

__Então voce é a "dama de ouro"!__Disse sarcasticamente o homem, enquanto fixava um olhar sádico em cima de Érica.

Da Itália para o Brasil

O jatinho pousou suave. Dele desembarcaram homens bem vestidos. No meio deles, Gusmão caminhava seguro rumo a um veículo que os conduziria até o hotel. De lá planejariam uma estratégia de busca por Nelson e Érica.

Estranhamente cercados por gente que repassava informações com a rapidez do vento, Gusmão e seus homens localizaram o, até então, esconderijo secreto de Nelson. Executaram uma invasão rápida e precisa, mas ficaram decepcionados por não encontrá-lo em casa, chutando alguns móveis e revirando tudo. Alguém tinha passado por lá antes deles.

__Quem acha que eram?__Perguntou um de seus homens.

__Deve ter sido o mesmo pessoal que matou o Silvio.__Congecturou Gusmão, enquanto examinava a casa revirada em busca de alguma pista de para onde teriam levado Nelson e Érica.

__Olha chefe, que belezinha!__Olhando para o pequeno cais, os homens viram a lancha.

Todos entraram a bordo. Quando deixaram a casa para trás, uma coluna de fumaça subiu junto com os estilhaços da estrutura.

No porão do barco

Nelson pensava numa forma de escapar. Não esperava nada de bom naquele porão. Não fazia a menor ideia do que todos, o Gusmão e agora esses outros bandidos, queriam com Érica, nem o que significava essa coisa de "a dama de ouro".

A manhã daquele dia foi de náusea, tontura e abafamento no porão do barco.

Os bandidos se revezávam na vigílha ao casal de prisioneiros. Até que uma certa hora, o elemento que estava vigiando foi chamado ao convés e finalmente Nelson e Érica ficaram a sóis.

__Érica.__Disse Nelson em sussurrou.

__Voce conseguiu?__Ela notou que ele tinha afrouxado a amarra das mãos.

Durante a viagem, Nelson consegiu, entre uma desatenção e outra dos guardas, desgastar os fios da corda esfregando-os na coluna de madeira áspera em que estava preso. Tinha esperado o momento certo para aplicar mais força e romper de vez os últimos fios que ainda o mantinham preso. Agora, com uma as mãos livres poderia desamarrar os pés e ajudar Érica a se soltar.

Ao liberar Érica das amarras e pôr-se de pé, Nelson se desequilibrou e bateu com as costas na parede do barco causando um certo estrondo. Paralizado de medo, esperou ser notado pelo acidente, mas ficou feliz ao ver que tudo continuava tranquilamente bem.

Olhando por uma falha da porta, Nelson notou que os bandidos estavam se divertindo no convés. Alguns deles bebiam, enquanto outros testavam força numa luta corporal aparentemente amistosa. Haviam um sujeito tocando um instrumento de cordas. Só então Nelson descobriu por que não tinha sido notado ao bater com as costas na parede do barco.

Nesse instantes um dos homens olhou de volta na direção da porta que dava com o porão e Nelson percebeu a manobra.

__Um deles está vindo__Disse para Érica.

__O que vamos fazer?__Perguntou ela.

__Fingir que ainda estamos presos.

Eles se atiraram de volta ao assoalho. Fizeram o possível para que as cordas parecessem prender suas mãos e pés. Nelson chegou a pender a cabeça num sinal de tédio.

O homem só queria conferir se estava tudo bem no porão e logo voltou para juntos dos outros no convés.

__Ainda bem.__Disse Nelson.

__Acha que podemos abordar um deles e tomar a arma?__Questionou Érica.

__Não. Eles são muitos, não acho prudente.

Érica havaliou a ótica de Nelson e buscou pensar em outra forma de saírem dali. Não queria se arrepender depois por não ter feito isso a tempo, mas não podia agir precipitadamente.

Capítulo 5 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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O mapa do tesouro


Escritório da Mila Rio's em Milão

Gusmão estava irritado com seu contato no Brasil. Nelson não era bobo e podia estragar tudo a partir das evidências deixadas nas duas tentativas fracassadas de matá-lo. Como poderia contratar gente tão incompetende para fazer o serviço? Era o que Gusmão se perguntava.

__Diga para a senhora Luciana vir à minha sala urgente!__Ordenou Gusmão pelo interfone. Do outro lado a fraca voz da secretária respondeu que sim e logo Luciana apareceu na sala presidencial da Mila Rio's.

__Pois não, Gusmão! Quais são as novidades?__Havia quase que uma ironia na pergunta de Luciana. Ela sabia do andamento das coisas. Tinha ficado até tarde na noite anterior, em companhia de Gusmão a esperar uma ligação do Silvio.

__Será que eu mesmo tenho que cuidar desse assunto no Brasil?__Disse irritado com a falta de retorno de Silvio. O tempo estava passando e ele não dava sinal sobre o andamento da operação.

Era um cara objetivo. Não tornou-se dono de uma das mais importantes companhias de moda do pais equivocadamente. Era infalível em tudo.

A Mila Rio's Company tinha sido um dos negócios pertencentes a uma família tradicional da Itália, mas que Gusmão comprara ao desligar-se do grupo italiano para quem trabalhou por quinze anos.

Quem tocava a agência de modelos, até Gusmão entrar no negócio, era a única filha do antigo mafioso, mas ela teria morrido em um acidente. Gusmão, que já havia feito um pé de meia trabalhando para a família, comprou a empresa, passando a adminitrá-la em conjunto com a irmã Luciana, recém-formada em administração.

Dos antigos mafiosos, somente a matriarca ainda vivia, embora definhava em um asilo nos arredores de Milão. Um filho do casal teria se recusado a participar das atividades do pai e logo cedo fora expulso de casa pelo velho criminoso, indo morar na América do Sul.

Todos os outros parentes envolvidos em crimes teriam sido mortos ou condenados a prisão perpétua. Outros haviam a muito tempo deixado o crime. E embora antes de morrer o velho tivesse investido parte do dinheiro em negócios legais, a maior parte estava agora nas mãos de administradores e do governo. Muitas das propriedades da família permaneciam só no nome, logo seriam desapropriadas e confiscadas pela receita.

O tesouro escondido

Entre as lendas que remanesciam sobre a família de mafiosos, uma dava conta de que havia uma fortuna de cem milhões de dóllares secretamente guardada por um indecifrável enígma. O mafioso teria escondido a fortuna em algum lugar do mundo, não se sabe onde nem de que forma, e elaborado um segredo através do qual o acesso à fortuna, uma espécie de mapa do tesouro, seria revelado. Só que ele teria morrido sem revelar o segredo a ninguém. A própria família negou o fato quando investigada, sem contudo impedir que algumas pessoas descartassem-no. O principal caçador desse tesouro era Gusmão, um sujeito ambicioso que em quinze anos teria passado de motorista a dono de uma das empresas da família.

O governo italiano nunca soube precisar o quanto a família de mafiosos devia ao estado, e agora estava prestes a liquidar o assunto ao confiscar seus últimos bens. Se a fortuna esquecida sob o status de lenda existisse mesmo, seria um tesouro legal a espera de um novo dono.

Gusmão entendia ser o único sabedor disso e agora estava prestes a reunir todas as peças do enígma. Bastava apenas que Érica fosse levada até Milão.

__Não acha melhor esperar um posicionamento de Silvio?__Sugeriu Luciana.

__Não sei. É estranho que ele ainda não tenha me ligado. Deve ter fracassado e agora se esconde temendo minha reação. __Ponderou Gusmão, quase acertadamente.

__Não podemos aguardar um pouco mais?__Sugeriu Luciana. __O Silvio nunca falhou antes. É possível que, diante de algum imprevisto, ele mesmo dê conta do trabalho.

Em resposta, ela recebeu apenas um olhar frio do irmão. Com certeza estava muito desapontado.

No Brasil, mais um crime

A polícia da capital estourou um cativeiro no subúrbio. Um homem, depois identificado como Silvio, tinha os pés e as mãos amarradas, rosto inchado e evidentes ematomas que denunciavam sinais de tortura.

O laudo necrocóspico determinava que o crime teria sido consumado na madruga da última noite.

Missão falha

Dias antes, Gusmão teria sido informado de que a polícia havia montado um esquema para dar um flagrante em Nelson no aeroporto. Por isso, deu ordem a Silvio para abortar o plano original, matando Nelson e raptando Érica, evitando que caíssem nas mãos da polícia permitindo que evidências de coisas mais relevantes fossem dispersas.

A ordem para matar Nelson viera à calhar, desde que Silvio soube que ele estava prestes a deixar o trabalho sujo, repassando a informação ao chefe na Itália. Agora, sob uma maior probabilidade de ser pego pela polícia, era impressindível que morresse.

Esse era um modo precavido de Gusmão dar aposentadoria aos caras que trabalhavam para ele como agenciadores de mulheres. Econômico e limpo, como Gusmão repetidas vezes comentava com Silvio, seu homem de confiança no Brasil.

Os homens contratados por ele para dar cabo de Nelson falharam e foram mortos. Agora, o próprio Silvio tinha sido executado. A polícia só precisava juntar os fatos.

Almoço no chalé

Érica foi tomar um banho. Nelson achou oportuno dar uma olhada melhor na pasta preta que Lúcio lhe entregara. Ficou tentando entender por que Gusmão tinha se referido a Érica como "a dama de ouro". Ele mesmo tinha enviado à Itália mais de dez mulheres. Não parecia tratar-se de uma lista comum.

Ao sair do banho Érica notou que Nelson estava empenhado no caso. Ela concordou que diante dos fatos era impossível relaxar. Sentia que a qualquer momento alguém surgiria de armas em punho querendo ver a pele de Nelson, e a dela própria, do lado avesso. A essa altura não dava para levar o caso à polícia. O próprio Nelson havia matado dois homens. Sentia-se cumplice de um cara que por pouco não a entregou a um explorador de mulheres.

__Pode vir aqui um instante?

Érica não exitou.

Ele pode sentir mais de perto um cheiro agradável de produtos pós-banho.

__Está vendo?__Disse ele exibindo uma relatório impresso onde Érica era descrita como "a dama de ouro".

__Tem ideia do que quer dizer?

__Infelizmente, não. É sem dúvidas um enigma.

__E por que voce acha que o Gusmão queria vê-lo morto?__Indagou Érica.

__Queima de arquivo. Eu estava prestes deixar de trabalhar para o italiano. Quanto a esse braço direito dele aqui no Brasil, eu nem mesmo o conheço.

__E voce chegou a comentar com alguém?__Perguntou Érica.

__Sobre?...

__Sobre deixar de trabalhar para o Gusmão.__Érica concluiu e ficou esperando a resposta. Nelson parecia irresoluto.

__Sim, e não.

__Como assim?__Pressionou Érica.

__Não cheguei a falar claramente, mas acho que o Lúcio poderia saber. Para a informação ter caído nos ouvidos do Gusmão, não deve ter faltado muito. Era só questão de tempo.__Ao dizer isso Nelson cuidou que alguma coisa na pasta não fosse vista por Érica. Tinha algo mais que ela não podia saber. Não agora, pelo menos.

__Claro, afinal, ele trabalhava também para o italiano.__Congecturou Érica.

__Sim, mas não como informante. Se não o italiano não teria contratado alguém para esse fim exclusivo. As atividades de Lúcio eram somente essa coisa da papelada falsa e nisso ele não servia apenas ao Gusmão. As meninas saíam do Brasil com um nome e desembarcavam em Milão com outro. Muitas vezes, até com outra idade, se é que me entende.

__Claro__Disse Érica.

__Quem pois teria matado, ou mandado matar o Lúcio?__Questionou Érica.

__Não sei. Mas algo me diz que tudo isso, a emboscada a nós e a morte dele, não são fatos isolado. Pode ter tudo a ver com o braço direito do Gusmão.__Concluiu Nelson.

Fechando a pasta, pôs-se de pé e caminhou até o bar onde uma caixa de charutos o aguardava.

__Voce fuma?__Perguntou ela com um sorriso disfarsando a surpresa.

__Sim. Disse ele enquanto com um sorriso dissimulava o vício.

Ficaram em silêncio por alguns instantes, até que...

__Posso sair?__Perguntou Érica quase que ironicamente.

__Não, minha prisioneira.__Respondeu ele com evidente sarcasmo. __Eu diria que não é tão seguro expor-se aqui. Aliás, nada mais é seguro com tudo isso acontecendo, compreende?

Ela concordou, mas lembrou-lhe que já era meio dia, hora de comer alguma coisa.

__O que vai querer, madame?__Disse ele já pegando o telefone.

__Uma bomba em delivery?__Ela zombou.

Um dado elementar

Nelson sabia que um cara chamado Sílvio estava por trás da tentativa frustrada de assasiná-lo. Tinha descoberto isso através de Lúcio minutos antes dele virar pó. Agora só precisava ter certeza se esse Silvio tinha ligação com o Gusmão.

Precisava pegá-lo antes que ele o pegasse. Se era mesmo gente do italiano, Nelson e Érica não teriam sossego dali por diante. Não queria correr o risco de receber a mesma aposentadoria que Ricardo recebeu. Era injusto servir o cara por tanto tempo e acabar morto.

Érica dormiu quase a tarde inteira. Quando acordou viu que Nelson estava na área do deque. Ele notou sua aproximação e a aguardou sem se voltar.

__Alguma novidade?__Perguntou Érica.

__Temos algo a checar.

__O que?

Vamos fazer uma visitinha a um ilustre morador da baía.

__Quem?

__Esse tal de Silvio.

Após alguns minutos, Nelson e Érica chegaram ao endereço passado por Lúcio antes de morrer.

__Preciso ir também?__Perguntou Érica.

__Melhor voce permanecer no veículo.__Recomendou Nelson.

Depois de sondar os arredores do imóvel, ele notou que não havia gente guarnecendo a área. Melhor ainda, pensou. Isso pouparia munição, tornando tudo mais fácil.

Uma olhada através da vidraça deu-lhe a impressão de que lá dentro não havia ninguém. Mantendo a pistola para um rápido saque, Nelson circulou pelo lado da casa, onde um arbusto com espessos galhos se projetava para uma janela próxima a uma elevação do terreno. Com dificuldade escalou a parede e encontrou a janela aberta, mas intacta. Chamou sua atenção a desordem que o ambiente apresentava.

Ao entrar pela janela, Nelson teve certeza de que o ambiente já havia sido invadido. Alguém tinha revirado tudo, provavelmente buscando alguma coisa de que precisava muito. Havia o risco de alguém estar ali à espreita, mas após uma rápida vistoria Nelson certificou-se de que a casa estava deserta.

A luz da tarde era tênue. Haviam vários papeis espalhados pelo chão. Nelson precisou de uma lanterna que trouxe para poder escolher o material que lhe parecesse interessante.

Ele não estava seguro quanto ao material que conseguira juntar para finalmente checar se Silvio tinha ou não alguma relação com Gusmão. Já deixava o interior do imóvel quando olhou o aparelho de fax jogado num canto, mas ainda plugado na tomada da parede. Apertou a tecla e chamou a últma ligação feita para aquela linha. Quão grande foi a surpresa ao ouvir a voz de Luciana, a irmã do Gusmão tentando falar com Silvio.

De volta ao chalé

E aí?__Perguntou Érica.

__Voce não acredita se eu te disser.

__Credo! Fala de uma vez.

Nelson não respondeu. Apenas jogou uma resma de papel sobre o painel do carro e entrou o mais depressa que pode. Arroncou dali tirando barulho dos peneus no asfalto.

__Acabamos de deixar para trás a casa do senhor Silvio.

__Sério?__Admirou-se Érica.

__Isso mesmo. O contato do Gusmão. O cara que mandou aqueles jagunços para nos matar. Sabe de uma coisa, ainda acho que eles te queriam viva. Por que, não sei.

__Por que acha? Seria eu tão inútil assim?__Ironizou Érica.

__Não brinca, garota. A coisa é séria. Eu duvido que o interesse deles em voce, se é que minhas suspeitas se confirmam, sejam apenas para exploração sexual.

__Por que acha?__Perguntou ela, agora demonstrando preocupação.

__Garota para exploração sexual eles importam todos os dias, do Brasil, da Venezuela, do Uruguai e de qualquer país da América Latina. Eles não precisam revirar o mundo em busca de uma.

Ela achou que as palavras de Nelson faziam sentido sim.

__E tem um detalhe.

__O que? Perguntou curiosa.

__A casa foi invadida por alguém antes de mim. Tudo estava revirado.

Mais um plantão noticiário

Ao chegarem no chalé, mal ligaram a televisão para ouvir no plantão noticiário local a manchete que dava conta da morte de um sujeito chamado Silvio. Nelson ficou pasmo ao ver a fachada da casa da vítima durante a reportagem. Tinha estado lá ainda a pouco tempo.

A noite caiu na prainha criando vários pontos de luz espalhados pela orla. O lugar tinha um sossego que dava medo. Parecia cenário de filmes de suspense.

Nelson acendeu a lareira e abriu uma garrafa de vinho. Agora ele não deixava a pistola fora do alcanse por instante algum.

Haviam duas poltronas confortáveis próxima ao fogo, mas ele preferiu deitar-se no piso de madeira acarpetado, apenas puxando para trás de si uma almofada.

Ficou ali olhando as chamas trepitarem. Ele teria adorado se Érica estivesse sentada ao seu lado. Ao contrário, ela afundou numa poltrona da sala, de onde o barulho do mar parecia invadir a casa. Ali mesmo adormeceu exausta.

Capítulo 4 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Um dia de descobertas


O noticiário

Ao abrir os olhos no dia seguinte, Érica tentou ver alguma familiaridade no cenário em volta, mas descobriu-se em mais um lugar estranho.

Desde a manhã do dia anterior, quando deixou sua mãe a caminho da roça, a vida revelava uma surpresa atrás da outra. Tudo estava acontecendo de uma só vez, mas nem tudo como esperava.

Olhou para Nelson e experimentou um amargo desconforto na alma ao ver que não estava exatamente em Milão. Era manhã de mais um dia e ainda estava no Brasil, e o que é pior, como fugitiva e cúmplice de um cara que mal conhecera pessoalmente, alguém que matava para escapar de gente perigosa.

Nelson continuava dormindo e ela ficou olhando o leve movimento de sua respiração acentuado pela coberta sobre seu torax.

De súbito ela lembrou-se da noite anterior quando chegaram ali naquela pousada. Haviam dispensado várias delas pelo caminho, até que Nelson achou que a pior de todas seria ideal. Nem mesmo documentos pessoais foram requisitados.

Ainda não haviam feito uma refeição decente e mantinha-se apenas com a barra de cereal da última tarde. Estava com fome, mas Nelson ainda dormia profundamente. Chegou a pensar se esse tipo de vida por acaso não seria rotina para ele, uma vez que parecia tranquilo em meio a tantas coisas ruins. Mas como ela mesma estava reagindo relativamente bem, até que com ele poderia estar acontecendo o mesmo.

Érica sempre via afinidade entre ela e Nelson. Não sabia precisar qual o papel exato que ele preenchia em sua vida. Talvez representasse de algum modo o irmão que ela não teve ou fosse uma versão aperfeiçoada do pai que gostaria de ter. Ela não conseguia culpá-lo por estar passando por esses problemas. Nunca achou sua vida assim tão bem resolvida, mesmo na pacata Florinópoles. Sabia que os problemas só mudavam de forma e intensidade, mas sempre estariam ali.

Nelson finalmente acordou. Tinha dormido aos pés da cama.

__Que horas são?__Perguntou ele, mais por um impulso que por necessidade.

__Sete e quinze, e eu estou com fome.__Disse Érica.

__É. Precisamos comer alguma coisa. __Ele disse isso enquanto buscava algum interfone no quarto. Não havia nada igual ali, apenas uma televisão de tubo presa por um suporte na parede. Ele ligou o aparelho e espreguiçou-se.

O velho televisor precisou de trinta segundos para estabelecer o sinal, quando passou a retransmitir o notíciário regional. As manchetes davam conta de uma noite bastante violenta na cidade. Entre os fatos que chamavam a atenção dos repórteres, descava-se um tiroteio na estrada da capital, dois corpos não identificados no subúrbio e a explosão de um galpão comercial nas proximidades.

Nelson ia deixar o quarto em busca do café da manhã, mas deteve-se ao ouvir as manchetes:

"Na zona leste da cidade, uma explosão destruiu um galpão onde funcionava uma loja de peças automotivas usadas. Tudo ocorreu por volta das vinte e três horas de ontem. Testemunhas dizem que antes da explosão foram ouvidos tiros no local. A polícia trabalha com hipótese de crime. É possível que o proprietário, um mecânico de nome Lúcio, tenha morrido no local. Cápsulas de balas foram recolhidas para perícia. Na loja, equipamentos eletrônicos ficaram carbonizados. A polícia continua investigando o caso".

__Meu Deus!__Disse Nelson.

__Esse cara não era...

__Sim, Érica. Mataram o Lúcio.__Nelson fez essa constatação com os olhos fixos em lugar nenhum, enquanto sentava-se na beira da cama.__De agora em diante, qualquer movimento tem que ser meticulosamente avaliado antes.

Sem dizer nada Érica apenas o observava. Se havia algo a fazer, esse algo necessariamente teria que partir da imaginação de Nelson. Ela estaria com ele para descobrir onde tudo isso os levaria.

__E o café?__Disse Érica.

__Verdade. O café.__Concordou ele deixando o quarto finalmente.

Abrindo o jogo

Em pouco minutos Nelson retornou ao quarto com um café da manhã razoavelmente bom, ainda mais para a fome que tinham.

__Viu alguma coisa estranha lá em baixo?__Perguntou Érica.

__Não.__Respondeu Nelson percebendo o quanto ela cada vez mais ficava parecida com ele. Arisca, esperta. Isso agradava uma parte do seu ego.

Depois do café sentiram-se bem melhor. Por um momento imperou um silêncio palpável no quarto. Foi quando ele achou oportuno abrir a pasta de couro que havia recebido de Lúcio no começo da última noite.

Com esforço, Érica procurou não demonstrar curiosidade em saber o que a pasta continha, só não deixou de perceber discretamente que alguma coisa lá dentro chamou a atenção de Nelson depois de abrí-la. Ele devia ter achado mais do que esperava, ou então, de fato não deveria ter ideia do que Lúcio lhe entregara antes de ser assassinado. Seria algo revelador certamente, pensou Érica.

Fechando a pasta com um sonoro clique, Nelson voltou-se para Érica.

__Voce pretende retornar agora a Florinópoles?

Buscando ler no semblante dele qualquer outra vontade que excedesse a simples curiosidade, Érica respondeu prontamente que não.

__Voce sabe que cedo ou tarde eu deixaria tudo para trás, fosse para Milão, pela a carreira de modelo ou por qualquer outro motivo. Aliás, voce acha mesmo que eu teria chance?

__Por que não? Tenho que te falar uma coisa: voce tem potencial para uma carreira como modelo. Vi muitas meninas como voce selecionada para as passarelas. Mas tem algo mais que eu queria te dizer.

__O que?

__Esses caras que tentaram nos matar, acho que era gente a serviço do Gusmão.

__Para matar a mim e a voce?

__Infelizmente, pode ser que sim.__Respondeu Nelson.

__Não entendo. Ele não trabalho apenas com modelos?__Érica estava tirando suas conclusões. Nelson sabia que ela poderia ter um chilique emocional.

__Extamente o que disse, ele não trabalha só com modelos.__Revelou Nelson e ficou esperando a reação dela.

__Com o que mais ele mexe?

__Assassinatos, roubos, prostituição...

__Cara, voce estava me entregando a um criminoso internacional? Não acredito, Nelson! Eu confiei minha vida a voce. Voce me enganava a cada palavra lisongeira, meu Deus...Eu, eu acreditei em tudo o que voce dizia. O que mais é mentira em tudo isso?

Esperando ser acertado por algum objeto, Nelson estava arisco ao menor dos movimentos dela, que chorava de raiva.

__Mostre aqui o seu contrato__Pediu Nelson energicamente.

Ela abriu a bolsa e retirou o documento. Nelso indicou com o dedo o trecho onde Érica viu seu nome associado a uma referência a ela como "a Dama de Ouro".

__O que isso quer dizer?

__Não sei, mas veja a data. Segundo pode ver, o pessoal do Gusmão já havia selecionado voce dois mêses antes da gente se conhecer pela internet. Não foi ao acaso que te mandei um convite no site de relacionamentos. Eles te acharam, não eu.

Érica sentia-se atropelada por uma enxurrada de informações.

Nelson continuou:__Minha missão era te convencer a viajar para Milão, e em troca, eu receberia por isso.

__Meu Deus! Quanto?

__Duzentos mil.

__Nossa!__Disse com nítido despreso.

__É sempre o valor que pagam?

__Geralmente, sim. O diferencial com relação a voce é o fato do Gusmão estar revirando o mundo para que voce chegue a Milão. Deve haver algum interesse maior, algo de que não faço a menor ideia. Outra coisa, preciso descobrir se foi ele quem mandou emboscar-me.

__Voce deveria saber pela experiência com esse tipo de gente.__Alfinetou Érica.

__Só não dá para ligar e perguntar: E aí, Gusmão. Foi voce quem mandou me matar?

Érica quase sorriu e Nelson sentiu-se bem por ela demonstrar um estado de espírito mais amistoso. Em seguida, caminhou até a porta, olhou Érica e a convidou:

__Vamos nessa?

Ela fez que sim e pôs-se de pé.

Na estrada, outra vez

Nelson agradeceu aos céus por não sofrer nenhuma emboscada na saída da pousada. Nesses últimos dias, qualquer pessoa à sua volta era vista como uma ameaça em potencial. Andava com os nervos à flor da pele. Temia a própria sombra.

__Tem ideia de para onde estamos indo?__Perguntou ele forçando uma simpatia.

__Não.__Ela respondeu secamente. Seu rosto continuava olhando para o lado oposto ao dele.

__Ele leu a mensagem que ela quis passar e segurando as palavras preferiu manter o silêncio.

__Para onde vamos?__Ela rendeu-se finalmente.

__Preciso de um lugar tranquilo para pôr um plano em prática.

Ela comemorou em segredo. Estava certa. Ele tinha novos planos.

Érica adorava ouvir os planos de Nelson. Fazer parte deles era ainda mais interessante. Já havia lhe confiado toda a vida quando topou ir para Milão, e embora não tenha dado certo, sabia que ele tinha uma imaginação incrível.

__Que lugar pretende?__Perguntou.

__Deixe comigo. Só aperte o cinto aí. Sei de um lugar que a patrulha do Gusmão não faz ideia. __Disse bem humorado.

Ela sorriu meio descrente, não sobre ele conhecer um lugar secreto, mas quanto à patrulha do Gusmão não conhecer cada palmo do Brasil.

__São muitos?__Perguntou Érica.

__O que?

__Os caras do Gusmão.

__Sei lá.__Disse ele com certo despreso.

Enquanto seguiam veloz pela estrada do litoral, Érica sentia que, fosse o que fosse, estava mais segura ao lado de Nelson. Além do mais, precisava saber tudo sobre a quadrilha do Gusmão. Saber qual o interesse dele por ela, era agora o que motivava Érica a seguir com Nelson por onde ele fosse.

O chalé da prainha

A cada curva da estrada Érica se surpreendia com a paisagem litorânea. Não sabia para onde estavam indo exatamente. Esse detalhe ficou em suspense da parte dele.

Ela só tinha ido à praia uma vez, quando ainda era adolescente . Foi através de uma excursão da escola. Na época, a turma da quarta série juntou um dinheiro e alugou o ônibus. Detalhe, o único ônibus de Florinópoles.

Lembrou-se de que seu pai se opôs ao passeio, enquanto sua mãe foi totalmente favorável. Vendo a praia Érica lembrou-se deles e desse tempo. Havia em sua infância algo que era paradoxalmente bom e ruim. Ela percebia isso só agora. Nem tudo foi somente bom ou ruim, concluiu consigo.

Saindo da estrada principal Nelson guiou o carro por um dos incontáveis acessos que se propunham ao longo da estrada com sentido às áreas para banhistas. Algumas cabanas, quiosques e chalés completavam o cenário típico para o turismo.

Nelson guiava despresando várias oportunidades de estacionar o carro, pelo que Érica pode perceber que ele sabia bem para onde estava indo. De fato, só após passar por praticamente toda a região dos banhista foi que eles finalmente chegaram a um chalé sobre uma pequena formação rochosa à beira do mar, mas bem acima de onde as ondas batiam contra as pedras. O encanto ficava por conta de um deque aos fundos, de onde um pequeno cais lançava-se para o mar. Nele, uma lancha ancorada balançava com as ondas.

Assim como a maioria dos proprietários de chalés da praia, Nelson não tinha caseiros. Não havia necessidade, uma vez que a região era inquestionavelmente bem cuidada pela administração de um condomínio. Funcionários faziam rondas frequentes, os jardins eram aparados e o local possuía até uma espécie de zoológico onde os animais viviam entre as pessoas, embora não em cativeiro. Andando pelas estradinhas de terra era possível cruzar com diversos bichos, de várias espécies, soltos em habitat natural.

Érica sentiu-se tão à vontade que até tirou do carro algumas das bolsas que havia arrumado para a viagem. O chalé era pequeno e logo Nelson apresentou a Érica todas as dependências. A área de que ela mais gostou foi o deque. Caminhou com pés descalças até o fim do pequeno cais. Sentiu uma enorme vontade de ao menos molhá-los na água salgado do mar, porém ao que parecia a maré tinha deixado o nível bem abaixo da marca mais próxima.

__Que acha?__Perguntou Nelson.

__Nossa! Que lindo!__Respondeu Érica com nítido encanto.

Ela teve vontade de perguntar se Nelson era o proprietário do chalé, mas preferiu colher essa resposta depois. Não queria que ele pensasse que esse detalhe fosse de algum modo importante para ela.

Para Érica estava claro que Nelson era o dono do imóvel. Mas isso também lembrou o modo como ele havia ganhado dinheiro. Além de agenciar garotas para a exploração sexual no estrangeiro, que outros crimes ele havia cometido para comprar aquele chalé? Perguntava ela a si mesma.

Deixando um pouco de lado essas suspeitas, ela tentou apenas sorver a brisa gostosa que vinha do oceano. Precisava de ar fresco depois de tantos fatos desagradáveis em que estivera envolvida nas últimas vinte e quatro horas. Olhando para Nelson, ela experimentou uma onda de felicidade surpreendente. Era bom estar ali sob qualquer pretexto.

Capítulo 3 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Uma noite violenta


Juntando as peças

Érica estava confusa, mesmo assim não tinha nesse momento com quem contar a não ser com Nelson. Já havia cometido muitos erros em sua vida, e sabia que talvez estivesse no meio do pior deles.

Em um só dia havia deixado para trás toda a segurança de que compartilhara com a família em Florinópoles e mergulhado num turbilhão de episódios chocantes para qualquer pessoa. Ao mesmo tempo, olhando para Nelson ela podia sentir materializada aquela confiança desenvolvida durantes mêses na relação virtual.

Não sabia ainda se o sonho tinha ido por água abaixo. Não tinha exata ideia daquilo em que estaria metida. Uma coisa a surpreendia e fascinava em tudo aquilo: Nelson além de bonito era duro contra quem cruzasse o seu caminho. Podia não embarcar hoje para Milão, mas nada impedia que fizessem juntos novos planos. Alguma coisa estava acontecendo fora do previsto e ela não queria pressioná-lo agora. Preferia ver por esse ângulo.

__Eu já paguei um preço alto por não dar ouvidos a minha intuição.__Disse Nelson.__ E o que eu estou sentindo agora é que, pelo menos dessa vez, teremos que adiar sua ida para Milão.

Érica apenas o olhou, inexpressiva. Era isso exatamente o que ela acabara de pensar.

Ele sabia que em parte era verdade. Sempre pretendeu fazer um trabalho de trampolim, através do qual pessoas com sonhos ambiciosos como Érica pudessem chegar ao sucesso. Era um bom articulador, relacionava-se muito bem.

Precisava ter certeza do que estava acontecendo. Tinha uma semana para enviar Érica em outro voo, caso suas suspeitas sobre quem estaria por trás da emboscada não apontassem o próprio Gusmão como mandante. O caso de Ricardo teria posto sal na moleira de Nelson.

Agora, sentia que precisava fazer algo diferente por esta última modelo agenciada por ele. Estava disposto a levá-la pessoalmente a Milão, se preciso fosse.

Visitando um amigo

Chegando a uma rua cheia de imensos galpões aparentemente abandonados, Nelson e Érica pararam em frente a uma loja de peças de automóveis por volta das 20 horas.

A entrada do galpão era escura. Ao fundo apenas uma luz acesa dava um fraco sinal de vida ao ambiente. Um cão vira-latas propôs-se a recepcioná-los, mas Nelson optou por chamar no interfone. Uma voz grave como um trovão explodiu no aparelho rouco perguntando: quem é?

__Sou eu. Nelson.

Com óbvia má vontade, a voz no interior da loja resmungou qualquer palavrão seguido de um "já vai!".

Érica, que estava um pouco atrás de Nelson, contemplou um homem de fisionomia grosseira quando o portão se abriu. Ele lembrava os caminhoneiros obesos, cuja truculência se confunde com a de seus imensos e pesados veículos.

Ao ver Nelson aquela fisionomia se tornou bem mais amistosa.

__Que foi dessa vez, cara?__Perguntou o homem.

__E então, Lúcio, não vai nos convidar a entrar?

__Claro.__Disse Lúcio gesticulando para que entrassem. __Quem é a moça?

__Uma amiga.

__Como vai?__Érica o cumprimentou estendendo a mão. Lúcio a olhou numa expressão indecifrável enquanto retribuía o cumprimento. Ela sentiu sua mão como se tocasse a superfície áspera de uma lixa de parade.

Tecendo comentários irrelevantes, dirigiram-se para os fundos, onde um espaço mais iluminado paracia ser o ponto vital do imóvel.

Érica notou que a relação de Nelson com Lúcio era mais amizade que negócios. Ao ver o interior do galpão ela certificou-se de que uma oficina mecânica funcionava ali. Havia muitas ferramentas espalhadas pelo chão e motores pendurados em cavaletes por grossas correntes. Qualquer superfície no ambiente estava coberta por graxa, óleo e poeira.

__E então, Nelson. O que manda dessa vez?__Perguntou Lúcio, agora mais amistoso que antes.

__Tem uma coisa que eu queria que voce verificasse por mim.

__Hum, vejamos. __Disse Lúcio enquanto abria uma segunda porta.

Ao entrar com eles numa espécie de cabine, Érica ficou ainda mais surpresa. As paredes eram cobertas por vários equipamentos eletrônicos, fones de ouvidos, telas e cabos por todos os lados. O que ela esperava ser o escritório da ofina parecia mais um estúdio de som.

Nelson tirou do bolso o celular que recolhera do bandido e o entregou a Lúcio. Sem dizer uma só palavra, o homem de aspecto grosseiro buscou entre vários cabos um que conectasse ao aparelho. Finalmente achou o padrão e em poucos minutos um gráfico na tela deu sinal de conexão.

Após um tempo, Lúcio desconectou o aparelho e o entregou de volta a Nelson. Depois, tomou nota em um papel, destacou do bloco e o entregou a Nelson.

__E aquele trabalho, já está pronto?__Perguntou Nelson a Lúcio.

A presença de Érica parecia embaraçar Lúcio e ela notou. Percebendo que eles queriam privacidade, desviou o olhar e caminhou até outra área do galpão.

Após algum tempo os homens voltaram a falar mais abertamente.

__Algo mais, meu velho?__Intimou Lúcio.

__Sim.__Respondeu Nelson.__Voce tem um para-brisa dianteiro para o meu carro?

Lúcio só precisou de alguns minutos para repor as peças do carro. Gastou mais tempo procurando-as em meio a tanta sucata empilhada aleatoriamente.

Prontinho__Disse Lúcio enquanto limpava as mãos no macacão sujo.__Algo mais?

__Não. Obrigado Lúcio.__Nelson refez-se do estado de espírito compenetrado em que estava. Parecia preso às informações que acabara de receber. Recuperando-se, apertou a mão do amigo e ganhou tapinhas amistosos nas costas dessa vez.

__Te devo essa.__Disse ironicamente se despedindo.

__Vou por na conta, rapaz.__Retribuiu o amigo esforçando-se por acabar de fixar bem a borracha do vidro.__Amanhã tenho muito trabalho.

Érica concluiu que Nelson devia ter prestado antes algum serviço a Lúcio, que só esperava a oportunidade de retribuir o favor.

Lúcio os acompanhou até o portão e Érica ficou feliz ao ver que não dormiriam naquele lugar. Apesar da nítida amizade entre Nelson e Lúcio, não havia esse tipo de familiaridade entre os dois.

Na rua, o frio da noite se intensificava. O relógio sinalizava vinte e duas horas, mas apesar de cansada Érica não estava com sono. Ela adorou a temperatura no interior do veículo enquanto arrancavam dali velozes pela noite a dentro.

Nelson pensava no nome e endereço revelados por Lúcio. Érica pensava em Milão, o futuro adiado, e em Florinópoles, o passado irremediável.

A Irmandade Negra

Lúcio preparava-se para dormir quando ouviu a campainha tocar. Balbuciou um palavrão e esperou a possibilidade do incômodo vizitante desistir.

Novamente a campainha tocou. Irritado apanhou o interfone e perguntou quem era. Do outro lado ouviu a voz identificar-se como Nelson.

Amaldiçoando o amigo, ia atender a porta quando um pensamento o deteve: por que o Nelson voltaria em tão pouco tempo? Não parecia coerente. O sangue gelou nas veias quando ele percebeu que a voz não era de Nelson. Só pode ser gente da pesada, concluiu rápido.

O forte homem só teve tempo de pegar o revólver que estava debaixo do travesseiro antes que uma saraivada rompesse as trancas do portão.

Ele não demorou em devolver o fogo atirando contra os invasores.

Lúcio ficou logo sem munição e antes de recarregar a arma foi rendido pelos invasores. Ainda tentou reagir corporalmente, mas foi dominado após receber um golpe na cabeça.

__Onde está ele?__Foi o que ouviu de um dos estranhos enquanto ainda tentava recuperar os sentidos.

__Ele quem?__Argumentou, lenvando as mãos à cabeça.

__Não se faça de desentendido, ouviu?__Bradou o elemento ameaçando completar o que começara.__O Nelson esteve aqui com a garota, certo? Para onde eles foram?

Dando-se por vencido, Lúcio resolveu colaborar parcialmente.

__Sim. Eles estiveram aqui, mas saíram ainda a pouco. Não devem estar muito longe.

__E o que ele queria?

__Repor o para-brisa do automóvel. __Disse Lúcio, esperando que essa resposta fosse suficiente, enquanto notava que todos aqueles elementos vestiam-se a caráter.

Eles usavam ternos pretos, alguns com finas linhas de cor cinza, mas todos estavam com os cabelos cobertos por lenços negros. Eram como uma irmandade. A Irmandade Negra, pensou Lúcio.

Já havia identificado algo parecido na América do Sul. Não estava certo se na Colômbia ou Venezuela. Como não tinha se aprofundado em conhecer o seguimento de crimes do grupo superficialmente detectado através de sua CPIS, não poderia dizer com precisão se esses bandidos que agora invadiam seu galpão tinham alguma coisa a ver com eles. Uma coisa era certa, o que falou com Lúcio não tinha nenhum sotaque forte no português.

Enquanto Lúcio era interrogado, um dos outros homens vistoriava o galpão. Ele lembrou-se do cuidado que devia ter com a porta da cabine. Não estava certo de tê-la disfarsado bem, como era de costume. Se eles a descobrissem, era o fim.

A CPIS

Lúcio sentia que sua vida estava por um triz. Tinha em casa o que chamava ironicamente de CPIS, uma sigla para "Central Pirata de Informações Sigilosas". Esse nome estava inclusive grafado na porta, por trás de um painel de chaves posto estrategicamente para disfarsar. Como todas as paredes eram feitas de chapa metálica, ficava difícil perceber a porta ali existente.

Na CPIS Lúcio falsificava documentos, entre outros "milagres" da pirataria. Dessa forma, o serviço de mecânica automotiva no galpão funcionava como fachada para uma verdadeira acessoria gráfica e tecnológica oferecida, não apenas a um grupo de criminosos, mas a vários.

Apesar da aparência grosseira que fazia questão de manter, Lúcio era um expert em serviços secretos, o que lhe rendia uma boa reputação no mercado negro dos mais sofisticados crimes.

Um dos clientes de Lúcio era o italiano Gusmão, para quem Nelson estivera prestes a encaminhar Érica.

Temendo pela própria vida, Lúcio tentava descobrir a que grupo aqueles homens pertenciam. Teriam vindo ali apenas buscar informações sobre o paradeiro de Nelson ou sondar seu barracão?

Até então, Lúcio não vinha tendo problemas com nenhum de seus clientes. O que estaria dando errado dessa vez? Era isso o que ele tentava entender enquanto os homens vistoriavam o lugar.

Por fim, ficou feliz quando o que parecia ser o chefe daquela irmandade deu-lhe uma pancada de misericórdia e afastou-se na direção da porta, fazendo sinal para que os outros deixassem o local.

Quando eles finalmente saíram, Lúcio olhou na direção da CPIS e agradeceu aos céus ao ver que ela continuava discretamente encoberta. Eles não a tinham notado.

Respirando aliviado, ouviu algo como um cronômetro sonorizando uma contagem regressiva. Aguçou mais os sentidos na tentativa de apurar a origem do barulho, antes que estilhaços de toda a estrutura do imóvel viéssem em sua direção. O galpão explodiu.

Capítulo 2 - Made In Brazil - Uma Dama de Ouro

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Nem tudo sai como o planejado


A emboscada

Uma olhada curriqueira no retrovisor e Nelson teve a impressão de estar sendo seguido. Ao parar num posto de combsutível, próximo à região metropolitana da capital, notou um carro vermelho que passou em velocidade reduzida. Preferindo dar um tempo até certificar-se do que poderia estar acontecendo, Nelson estacionou próximo à loja de conveniência e desceu. Perguntou se Érica queria alguma coisa, mas ela agradeceu a gentileza.

Enquanto era atendido, ele observou a calma que tomava conta da autoestrada. Por que o motorista do carro vermelho vinha tão próximo? Pergunta aos botões. Salvo engano, ocorreu-lhe a impressão de ter visto o mesmo carro uns dez quilômetros atrás. Sim, poderia estar sendo seguido. O código de sobrevivência de Nelson dizia que mesmo as impressões não podem ser deixadas de lado. Sentiu que alguma coisa poderia não sair como o esperado.

Pagou a barra de cereal que comprou e retornou cauteloso para o exterior da loja. Do outro lado da rodovia, um barranco coberto pela vegetação espessa, típica do litoral, se inclinava a perder de vista enquanto o vento agitava a copa de um eucalípto. Tudo parecia traquilo demais, analisou Nelson. É nessas horas que as coisas ruins acontecem, pressageou.

Mais um carro passou e ele disse para si mesmo que suas suspeitas poderiam não passar de impressões. Devia estar apenas um pouco mais estressado que o de costume. Mesmo assim, sem que Érica percebesse ele certificou-se de que poderia contar com um rápido saque da pistola que trazia embaixo do banco. Depois, girou a chave de ignição e arrancou pela pista livre que se extendia à frente, rumo a capital do estado. Só mais quinze minutos e chegariam ao aeroporto.

Nem bem andou dois quilômetros e Nelson teve mais uma oportunidade de ver o veículo vermelho que passou por ele na altura do posto, só que desta vez parado no acostamento, logo à frente.

Nelson cobrou de si mesmo uma rápida interpretação sobre esses episódios e não teve outra resposta a não ser: emboscada. Mantendo a velocidade do veículo, ele colocou a pistola sobre as pernas enquanto pediu para Érica subir o vidro totalmente.

Sem entender o que estava acontecendo, ela notou a arma na mão direita de Nelson, enquanto a esquerda cuidava do volante. Assustada, ela só teve tempo de pressionar o botão para elevar o vidro, que logo foi estilhaçado por um projétil. Olhou para Nelson e o viu revidar o fôgo.

__Abaixe-se, garota! Gritou ele, enquanto distribuía bala na direção do carro vermelho. Érica nem esperou esse comando e já foi jogando-se praticamente no assoalho do carro. Finalmente o barulho cessou e ela notou que Nelson continuava com o veículo na mesma velocidade.

__Voce está bem? __Perguntou Érica.

__Sim. E voce, como está?

__Acho que estou bem.__ Érica passava a mão pelo corpo verificando se não havia sangue.

Enquanto buscavam certificar-se melhor sobre afirmações precipitadas, ambos notaram que o veículo vermelho ganhava velocidade logo atrás.

__Dá para ver quantos são?__Perguntou Nelson.

__Acho que são dois.

Pé na tábua

Nelson agora amaldiçova a si mesmo por não dar maior crédito às impressões. Estava coberto de razão ao desconfiar de que estava sendo seguido. Só não sabia por quem, nem por que.

Uma coisa estava claro: os caras não estavam alí para brincar. Ele também não queria perder tempo. Explorou imediatamente toda a velocidade que o carro pode desempenhar e após três curvas sinuosas, mantendo o veículo no limite da estabilidade, viu-se livre dos perseguidores. Mesmo assim não deu trégua ao motor. Continuou veloz como um louco.

Enquanto dirigia, Nelson tentava encontrar o sentido encoberto por trás da emboscada, embora não julgava prudente comentar isso com Érica. Ela não passava de mais uma garota simples, que deixaria o país para se prostituir no exterior, enganada pelo sonho de trabalhar como modelo de uma agência internacional.

As garotas que trabalhavam para a SuperModel não passavam de uma meia dúzia de filhinhas de papai. Quase todos os dias, dezenas de garotas eram recrutadas para o Gusmão, que as encaminhava ao mercado do sexo no lado sombrio da Europa. Dificilmente Érica entraria para o grupo das doze modelos oficiais da agência.

Nelson também contava com a possibilidade do ataque ter sido apenas uma tentativa frustrada de assalto, ou os elementos poderiam ter confundido-o com alguém de quem queriam a pele.

Érica continuava em silêncio no banco do passageiro. O vento que entrava pela janela sem vidro açoitava seus cabelos loiros, lembrando a cena de um filme de ação. Ao vê-la assim, Nelson sorriu com o canto da boca apesar de apreensivo.

Ligações suspeitas

Ao cruzar o perímetro urbano, o celular de Nelson tocou. A chamada era a partir de um número fixo não constante na agenda do aparelho. Sem exitar, ele atendeu prontamente com um sonoro alô. Do outro lado da linha, o único som ouvido foi o de um aparelho sendo colocado no gancho.

Pela segunda vez o telefone tocou. Do outro lado, a pessoa apenas esperou ouvir a voz de Nelson, antes de desligar o aparelho outra vez.

__Que estranho! Dá até para pensar que,... Meu Deus!__Exclamou Nelson, demonstrando pavor.

__Cara, o que está acontecendo?__Perguntou ela.

A resposta foi uma manobra radical que Nelson fez com o veículo para mudar a direção percorrida. Entrando por uma rua paralela, o carro sumiu pelo subúrbio empoeirado que ladeia o acesso à capital.

__Pára o carro agora!__Ordenou Érica em tom de isteria.

Encostando o veículo na calçada, bem embaixo de uma árvore grande, Nelson tentou dar o mínimo de explicação a Érica. Não teria tempo para argumentar, mas também não poderia sair com ela aflita e cheia de dúvidas.

__Érica, sinto muito em te dizer, mas agora temos que mudar os planos.

__Por que?

Antes que ele dissesse qualquer palavra, um tiro passou raspando a cabeça de Érica, abrindo mais um buraco no para-brisa. Antes de reagir, Nelson conseguiu ver a cara do atirador dentro do mesmo carro vermelho que os perseguira na estrada.

Dessa vez não teve dúvida de que tratava-se de dois homens. E que, sem equívoco, queriam vê-los mortos a qualquer custo.

Atirando-se para fora do carro Nelson conseguiu colocar-se por trás de uma caçamba de entulhos que havia na calçada.

Eles tinham seguido Nelson e Érica sem serem notados ou alguém mais estava os rastreando de alguma forma. Nelson não sabia ao certo como isso estava aocntecendo. A coisa parecia pior do que podia imaginar.

Após trocar a munição da arma, Nelson abriu um novo leque de fogo, permitindo que Érica deixasse o carro para proteger-se com ele por trás da caçamba.

__Isso mesmo, princesa. Tem gente graúda querendo ver nossa pele do lado avesso.

__Como assim? Isso tem a ver com minha ida para Milão?

__É possível que sim, garota. Abaixe-se!

Ouviu-se o grito de um dos elementos em reação a um projétil da pistola de Nelson. Cerrando os dentes, ele investiu mais um ataque contra o elemento que permanecia de pé. Com um deles abatido, o outro buscava abrigo por trás do tronco de árvore.

Quando o estranho atirador tentou alvejar Nelson, recebeu um tiro no braço direito, deixando a arma cair. Mantendo-o na mira, Nelson avançou na direção do mesmo que correu ferido. Um tiro na perna não o deixou ir muito longe e Nelson logo o alcansou.

__Seu filho da mãe!__Exclamou Nelson com os dentes cerrados enquanto chutava as costas do elemento. __Quem o mandou para matar-me?

__Não digo droga alguma__Retrucou o beleado enquanto uma baba misturada com sangue fresco borbulhava de sua boca machucada.

No mesmo instante, o celular preso à calça do elemento tocou e ele abriu os olhos num evidente esforço de pegar o aparelho. Com um sorriso sacástico, Nelson pegou facilmente o celular e apertou a tecla verde. Do outro lado da linha uma voz chamou:"Alô Osvaldo! Deu certo o trabalho, cara?"

Como ninguém atendesse, a pessoa encerrou a ligação. O cara baleado dava o último suspiro sem revelar para quem trabalhava.

Nelson apanhou o celular e apressou-se em voltar para o carro, quando de súbito algo terrível lhe ocorreu: cadê Érica?

__Era só o que faltava, garota!__Esbravejou ele batendo no capô do automóvel. __Droga! Apareça menina!

Sem relutar um só istante, entrou no veículo e deu partida. Arrancou a toda velocidade, não o bastante para não ver pelo retrovisor o rosto de Érica. Engatando ré, fez o carro retornar ao encontro da menina que saía trêmula por trás do muro. Abriu a porta e ela entrou rápido. Um barulho de cirene já se fazia ouvir ao longe.

__Está louca, Érica! Quer ficar nesse fim de mundo?

Sem dizer nada, ela tentava recupera-se do choque enquanto o carro serpenteava os vários becos escuros do subúrbio.

Após algum tempo.

__O que queriam quando ligaram para voce?__Perguntou Érica olhando-o de lado.

__Saber se eu ainda estava vivo.__Respondeu ele sem desatentar ao volante.__Quando ouviram minha voz, descobriram que a emboscada falhou e ligaram então para os pistoleiros, a fim de checarem o andamento da operação "caça ao Nelson". Ao ver que ninguém atendia, deram por fracassada a tentativa de me matar. Agora eles sabem que eu estou vivo, e que seus enviados estão mortos.

__Quem?__Perguntou Érica.

__Boa pergunta.